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direitos humanos

deFEMde se manifesta por diversidade e inclusão nas escolas

1024 724 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde elaborou nota técnica analisando em profundidade o Projeto de Lei nº 7180/2014, em tramitação na Câmara dos Deputados, bem como seu respectivo Substitutivo. Ambos pretendem modificar a Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para restringir o exercício da profissão docente, em nome de uma suposta ampliação da proteção de convicções e valores pessoais e familiares.
As propostas pretendem alterar a LDB para incluir, entre seus princípios, “o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”, estabelecendo uma série de regras a serem observadas pelos docentes e introduzindo novas diretrizes para as instituições educacionais, modificando radicalmente a noção democrática de educação prevista em nossa Constituição.
O estudo faz uma análise de constitucionalidade e convencionalidade do projeto de lei e de seu substitutivo e busca compreender possíveis efeitos do Projeto sobre a realidade social brasileira; considerando as avaliações feitas, a deFEMde se manifesta pela não aprovação do Projeto de Lei no 7180/2014 e seu substitutivo pelas Casas Legislativas, por compreender que suas disposições não estão de acordo com a Constituição Federal e tampouco com as normas infraconstitucionais e supralegais brasileiras e, ainda, que sua aprovação representaria profundo retrocesso no campo das políticas educacionais.

Confira íntegra da nota aqui.

deFEMde atua com OEA contra ameaças às políticas de direitos humanos no Brasil

1024 683 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, ao lado de diversas organizações, movimentos sociais e ativistas, participou das visitas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos – OEA, contribuindo para a construção um diagnóstico coletivo das ameaças às políticas de direitos humanos no Brasil.

É a segunda vez que a comissão vem ao Brasil, apesar de fazer um monitoramento constante à distância —a primeira foi em 1995. Para a visita, a Missão de Observação do órgão contou com diversos relatórios prestados por entidades, coletivos e outras instituições; a deFEMde prestou sua colaboração em relatório de 23 páginas sobre o cenário de violência política e eleitoral durante o ano de 2018, que pode ser conferido aqui.

As visitas realizadas, em estados como Brasília, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Maranhão, Roraima, Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, revelaram preocupações profundas da Missão, que divulgou relatório preliminar antes mesmo de deixar o país, em entrevista coletiva, tratando ainda recomendações sobre as violações a indígenas, quilombolas, moradores de rua, trabalhadores rurais, presos e moradores de favelas e periferias, além de imigrantes, transexuais, defensores dos direitos humanos e à imprensa.

Como destaques dos principais pontos de atenção, a Missão abordou a violência por agentes de segurança e o padrão de impunidade sistemática, a falta de conclusão do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, o ambiente de discursos de intolerância e ódio contra minorias, a criminalização de movimentos sociais através de lei antiterrorismo, a ausência de políticas públicas para a reforma agrária e acesso à terra.

Para além da contribuição para a importante formação do diagnóstico da Missão e da oportunidade de acompanhar diligências, tratando pontos geopolíticos sensíveis nos locais visitados e a exposição de fragorosas violações de direitos humanos, renovamos nossa esperança ao testemunhar a capacidade coletiva dos movimentos de criar resistências e redes de apoio e de gerar novas formas de sociabilidade baseadas na igualdade, no diálogo democrático e no respeito às diferenças.

Marina Ganzarolli FALA sobre a audiência pública da ADPF 442

1024 683 Rede Feminista de Juristas

Texto originalmente publicado no portal Hysteria. Para ler o original, basta clicar aqui.

Dia 1

Na sexta-feira 3 de agosto aconteceu o primeiro dos dois dias de audiência pública da APDF 442 no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela pede a descriminalização e o direito ao aborto até 12ª semana no Brasil. Entidades que defendem a mudança na lei, que hoje prevê prisão de até três anos para as mulheres que recorrem à prática, e entidades que desejam a manutenção dela discursaram aos ministros do supremo em uma salão com cerca de 150 pessoas em Brasília.

O que vimos dentro desta sala no primeiro dia foi de um lado informação e dados – de gente que dedica a vida a pesquisar e estudar o assunto – e do outro argumentos flácidos, quando não mentirosos, daqueles que se dizem pró-vida, mas são, na verdade, pró-morte. Já que os dados são inegáveis: uma mulher morre a cada dois dias vítima de um aborto clandestino no Brasil.

Uma das falas mais fortes e embasadas foi a da pesquisadora Débora Diniz, do Instituto de bioética Anis, grande articuladora desta ação. Além de trazer dados de uma pesquisa extensa sobre o tema, ela conseguiu responder algumas perguntas deixadas pelas falas anteriores, que sem muitos dados ou argumentos levantavam dúvida sobre o número de mortes trazido pelo Ministério da Saúde. Na fala de Débora ficou claro que não se trata de crença ou decisão pessoal, mas sim de uma política pública eficiente para mudar um cenário tenebroso.

Uma exposição que me chamou a atenção foi a do Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, coordenador da residência médica em ginecologia da UFRJ e a favor da manutenção da lei que criminaliza o aborto. Foi vergonhoso. Com parcos argumentos, ele chegou a dizer que as mulheres morrem porque estão sendo atendidas por parteiras e médicos cubanos. Parecia que estava falando em uma mesa de bar, sem argumentos ou referências. O que ele trazia não eram dados, mas sim opiniões pessoais fundamentadas em slides com matérias da Veja como fonte primária. E ele ainda atacou o ministro Luís Roberto Barroso, ali presente, dizendo que a descriminalização do aborto era uma articulação do ministro no Supremo para passar em cima do Congresso, que, no geral, é contra a mudança da lei.

A exposição da parte da manhã que mais comoveu a sala foi com certeza a da Adriana Abreu Magalhães Dias, que falou em nome do Instituto Baresi, e se contrapôs firmemente ao Dr. Raphael. Ele afirmou que a legalização do aborto será usada para se fazer eugenia – seleção genética. Como uma pessoa com deficiência, Adriana tomou seu lugar de fala e de quem estuda o assunto para dizer que as mulheres com deficiência querem e devem ter esse direito de escolha. Foi comovente e a primeira a ser efusivamente aplaudida pelos presentes. Muitos choraram. Ela falou inclusive da dificuldade de ficar em pé para a fala, porque não havia cadeira para os expositores. De fato o lugar não está preparado para pessoas com deficiência. Imediatamente a ministra Rosa Weber pediu para que se colocasse uma cadeira, mas Adriana conseguiu mostrar dificuldade de nos colocarmos no lugar do outro, de ter empatia, incluindo os ministros e organizadores da audiência, e voltando ao tema do dia, porque devemos ouvir quem é de fato atingido pela legalização. 

Uma coisa que me chamou a atenção foi a perigosa associação entre de aborto e feminicídio feita por Lenise Aparecida Martins Garcia. Os argumentos eram duvidosos e sem embasamento. Fora isso, ela mostrou um vídeo da National Geographic falando o quanto o feto já tem todas as funções a partir de determinada idade. Nesta hora, ela tinha na mão um boneco de um feto com 12 semanas e, ao mesmo tempo, algumas pessoas da plateia levantaram bonecos semelhantes.

Me indignei e me dirigi à segurança. Vejam, na entrada da audiência tivemos confiscados adesivos e até os pequenos lenços verdes (do movimento argentino). Se tive meu lencinho recolhido por que “ali não era permitida nenhuma manifestação”, o feto também não deveria ter entrado. Na hora todos os bonecos foram recolhidos.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados

Marina Ganzarolli

Uma coisa que achei impactante nas falas de quem diz defender a vida é que eleas questionam os dados, sempre colocando suas experiências de trabalho pessoais. Escutamos várias pessoas dizerem: “Na minha prática não é isso que vemos.” Mas muitas dessas “práticas” são de nicho, por exemplo, de uma região específica de São Paulo. Chega a ser absurdo essas pessoas serem o contraponto de gente que tem dados sólidos de anos de pesquisa pelo Brasil –  e pelo mundo. Porque à tarde tivemos diversas falas internacionais.

Neste sentido, as falas de duas canadenses trouxeram dados comparativos e do impacto da legalização do aborto não só para a diminuição das mortes das mulheres, como também para a diminuição da busca pelo aborto. Porque, como muita gente expôs, quando você atende essa mulher na fase crítica (momento do aborto) tem a chance entender o motivo pelos quais os métodos contraceptivos não foram usados, podendo trabalhar essa questão de forma ampla.

Neste primeiro dia de debate não tivemos os argumentos religiosos, que vêm com força na segunda-feira. O que vimos foram falas como a de Rosemeire Santiago, do Centro de Reestruturação para a Vida, por exemplo, que puxou para o emocional. Ela disse que ajudam as mulheres a escolher, mas o que fazem é um trabalho de persuasão para que não abortem. Disse que acolhem, abraçam. E então ela colocou um menino que teria sido abortado (mas não foi) para tocar violino. O trabalho pode até ser bonito e funcional, mas o que estamos falando aqui é sobre aquelas que mesmo depois de pensar muito ou se aconselhar com entidades como a de Rosemeire decidem abortar, certo? Elas não podem. Então, a pergunta que fica é: que escolha é essa?

Na parte da tarde a segurança relaxou um pouco e vimos mais manifestações. Mais palmas, mais reações. Mas isso não aumentou a tensão. Foi tudo muito solene e respeitoso como o ambiente do STF pede. Eu, sinceramente, achei que ia ser muito mais Fla x Flu. Vale pontuar que os ministros Barroso, Carmem e Lewandowski passaram pela audiência mas não ficaram o tempo todo. Ao que parece está tudo nas mãos da Rosa mesmo.

A exposição da Rede Feminista de Juristas, da qual faço parte, foi conjunta com o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, o Criola, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, o Grupo Curumim Gestação e Parto e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria e foi super emocionante pra nós. Conseguimos chegar ali e isso nos toca. Só foi uma pena que de lá de dentro não dava para ouvir o movimento Nem Presa Nem Morta que estava nos apoiando do lado de fora. Mas a caminhada do museu onde elas assistiram à audiência até o STF foi linda. Eu vi o vídeo.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados. Então, o que imaginamos, é que o Supremo deve engavetar o processo por um tempo, talvez uns dois anos, para depois julgar. É assim que eles têm feito. Se pegarmos o exemplo da legalização do aborto para fetos anencéfalos, vemos que a ação é de 2004, a audiência pública aconteceu em 2008 e o julgamento, que liberou o aborto nesses casos, foi em 2012. Estamos até no lucro, porque agora esperamos apenas um ano pela audiência.

E este é um momento de parabenizar a guerreira Débora Diniz, que não à toa estava muito emocionada. Pensem que foi essa mulher que articulou tudo isso, mesmo sendo duramente perseguida e ameaçada, ela se manteve firme, ética e focada. Nos espelhemos nela e sigamos com respeito, ética e claro, pró-vida das mulheres.

Dia 2

O dia começou muito cedo na segunda-feira 6 de agosto. Teve uma vigília linda do Nem Presa Nem Morta desde as 5h pelo direito de as mulheres escolherem seu destino.  

Do lado de dentro, a segunda e última rodada da audiência pública que discutiu a descriminalização do aborto foi muito disputada. O quarto andar, que transmite o debate para quem está no prédio mas não coube na sala, estava lotado. Ali, não há controle das manifestações. E como havia muitos religiosos neste espaço, quando a expositora do Católicas pelo Direito de Decidir terminou sua fala, o pessoal gritou: “Excomunga, ela! Excomunga, ela!” Mesmo no plenário o clima estava mais quente, muito pela presença de representantes religiosos e seus argumentos que desconsideram a ciência e as pesquisas, e ficam em cima de histórias pessoais que questionam a constitucionalidade da audiência.

Muitos, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, disseram que este não é o ambiente adequado para a discussão, que deveria ser feita no Congresso ou através de um referendo. Ao meu ver essas manifestações foram um tiro no pé. Tanto que logo após a fala do representante da CNBB a ministra Carmem Lúcia repreendeu esse tipo de argumento com muita contundência, deixando claro que é fundamental para a democracia que se sigam os ritos da lei e que o que se estava fazendo ali era atender a um anseio social, tudo dentro da constitucionalidade.

Muitas das falas contra o aborto atacaram o STF, o que do ponto de vista democrático é um absurdo. Soava como a mais pura falta de argumento. Fora a fala das católicas pelo direito de decidir, tivemos a fala da representante das evangélicas pela legalização do aborto e de um rabino – ambos trouxeram à luz da religião argumentos de acolhimento e pró-vida das mulheres. O rabino disse uma frase muito forte: “Podemos estar com elas ou sem elas. Porque essa mulher vai realizar o aborto.” Ele termina pontuando que essa mulher é também judia, católica e evangélica.

Uma associação muito complicada foi feita entre crimes ambientais e a “proteção da natureza humana”. Questionou-se até que se protegemos os ovos das tartarugas, por que não proteger os “ovos do homem”. Nem preciso dizer que o plenário, cheio de feministas, veio abaixo nessa hora.

Até mesmo a jurista católica e a jurista evangélica deram depoimentos muito pouco técnicos. Angela Gandra e Edna Zilli falaram muito de experiências pessoais, preceitos religiosos e usaram argumentos jurídicos do século XIX. Uma delas associou de forma irresponsável (classista e racista) os bailes funks e o aborto. Mas sabemos através de pesquisas sérias que as mulheres que abortam não são meninas e sim adultas, casadas e muitas vezes já mães.

Algumas pessoas disseram que em países que legalizaram o aborto houve aumento da procura pela prática, mas na sexta-feira este argumento já havia sido derrubado: há, sim, um aumento no número de abortos logo após a legalização, até porque os números anteriores não eram exatos, mas em pouco tempo esses números caem drasticamente.

A Conectas, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Clínicas de Direitos Humanos da Uerj e da USP trouxeram todos os pactos internacionais de direitos humanos dos quais o brasil é signatário e que não estão em consonância com essa lei que criminaliza a mulher que quer abortar. Logo na sequência dessas duas falas ponderadas tivemos que escutar o senador Magno Malta com argumentos absurdos, como por exemplo: “Se você tem autonomia sobre seu corpo, corte seu dedo ou seu cabelo, mas não corte a vida.” Ele falou inclusive que o Código Penal deveria ser revisto para que a pena para as mulheres que abortam fosse aumentada e não extinguida. Ainda fez um ataque direto à ministra Rosa Weber, falando de “seu ativismo judicial”, e foi mais longe: afirmou que ele foi um dos que a aprovaram quando foi sabatinada para a entrada no STF. A cobrança pública foi intimidatória, para dizer o mínimo. Ele falou como se ela devesse algo e disse que essa deveria ser uma decisão do Congresso – aliás, muita gente disse isso, ignorando a fala de Carmem Lúcia no início do dia.

Uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada

Marina ganzarolli

Um ponto interessante: o senador Magno Malta não assistiu a nenhuma das outras falas, chegou para a sua exposição e já ia saindo logo em seguida. Foi a ministra Rosa Weber que pediu para ele aguardar um instante. E então fez um aparte para ler o artigo constitucional que concede a competência ao STF para julgar ação de descumprimento de preceito fundamental. Engraçado que tempo para dar entrevista do lado de fora ele teve, mas participar da discussão e ouvir, parece que não cabe na agenda.

No meio da tarde tivemos a fala de Janaína Pascoal, que usou uma linha argumentativa temerária e distorcida. Ela afirmou que com a legalização do aborto as mulheres vão ficar mais vulneráveis porque os homens vão abandoná-las ainda mais. O momento em que a plateia mais rechaçou sua exposição foi quando ela disse que as jovens precisam ser estimuladas a iniciar sua vida sexual mais tarde. Ou seja, ela responsabilizou as mulheres pela gravidez e focou mais uma vez na juventude, ignorando os dados de que a mulher que aborta não é em sua maioria adolescente.

Em contrapartida, uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos, do Instituto de Estudos da Religião. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada. Disse claramente que se Jesus estivesse aqui perdoaria essas mulheres. Neste momento, as evangélicas contra o aborto dizem todas: “Não está mais”, insinuando que se Jesus não está aqui para dizer isso, então ela não pode dizer. Foi lembrado também que o aborto só passou a ser condenado pela religião católica depois de muito tempo como prática usada de forma ampla sob as barbas da igreja.

Muita gente disse ao microfone que é mentira que as mulheres são criminalizadas por fazer aborto no Brasil, mas Eleonora Nacif, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ressaltou que ainda na semana passada participou de um júri em que mulheres estavam sendo julgadas e condenadas por fazer aborto.

Vale pontuar que a segunda mulher negra a pegar o microfone, já às 18h da segunda-feira, foi Charlene da Silva Borges, da Defensoria Pública da União. Ela fez questão de dizer que muito se falou das mulheres negras, mas que agora ela estava aqui para falar, de fato, por elas. E o que disse foi que a vida das mulheres negras importa e trouxe dados de que são elas as que mais sofrem com a política atual. Foi uma fala muito emocionante e em primeira pessoa.

Tanto as defensorias públicas do Rio de Janeiro como a de São Paulo também deram uma personificada e humanizada no discurso, com histórias de mulheres que foram denunciadas e processadas por fazer aborto. A defensora carioca, Lívia Miranda Casseres, também uma mulher negra, frisou inclusive que até o aborto previsto em lei no Brasil não está sendo realizado porque existe estigma moral e uma espécie de boicote ideológico ao sistema. Ela encerrou sua fala com um poema de Conceição Evaristo que emocionou a plateia.

Um dos últimos a falar foi o Procurador do Estado do Sergipe, muito aplaudido pelos religiosos presentes. Ele botou até batimento cardíaco de feto na roda e apelou para argumentos anteriormente já desconstruídos, como por exemplo o fato de o embrião ter vida desde que é uma simples célula. Aprendemos em falas anteriores que todas as células têm vida, portanto isto não pode ser usado como argumento. Ele também falou que se vamos ao médico e pedimos para ele tirar o nosso braço ele não tira porque é prejudicial à vida, então não podemos pedir para nenhum médico tirar o embrião. Durmam com essa.

A jornada foi intensa e cheia de altos e baixos, mas é importante dizer que com Congresso ou sem Congresso, com STF ou sem STF, nós mulheres cis, trans, lésbicas, negras, brancas, juristas, da saúde, domésticas e quem mais quiser se juntar seguiremos organizadas para continuar lutando pelos direitos sexuais e reprodutivos da mulher e pela autonomia sobre nossos corpos. Queremos liberdade e o direito de escolha de quando, como e com quem queremos ser mães.

deFEMde vai ao STF por direitos reprodutivos

1024 683 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde protocolou pedido para participação em audiência pública realizada no âmbito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, que requer a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos do Código Penal que tratam o aborto, por violarem a dignidade das mulheres.

Uma das pautas históricas do movimento feminista se refere à autonomia sobre o próprio corpo. A atuação da Rede Feminista de Juristas se insere nessa trajetória coletiva pelo respeito a essa autonomia. E não poderia ser diferente: o desrespeito sistemático aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é perceptível, se expressando em diversas violências com as quais nos deparamos no cotidiano da nossa atuação. Fica evidente, para nós, o quanto o controle do corpo das mulheres e de pessoas transexuais pelo Estado e pela sociedade produz violências cotidianas que afetam os mais diversos grupos sociais. 

Embora seja um procedimento ilegal, dados indicam que uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já tenham realizado um aborto. O aborto seguro, no entanto, é acessado apenas por pessoas que podem custear o procedimento no mercado ilegal. Como consequência, são as mulheres mais marginalizadas e pobres que estão sujeitas a realização do aborto de forma precária e insegura, correndo risco complicações severas e de morte. O aborto, assim, acaba sendo, ilegal e perigoso para quem é pobre, pois quem tem poder econômico consegue acessar um procedimento seguro. Estudos da Organização Mundial de Saúde apontam que é esse o efeito da criminalização: o aumento da insegurança aos corpos de mulheres socialmente vulneráveis. Diferentemente do que se reproduz no senso comum, criminalizar não diminui o número de procedimentos realizados.

É por tais motivos que é urgente tratar essa matéria como questão de saúde pública: é um basta para que esses corpos não estejam mais condenados à insegurança e à morte. É por isso que defendemos a legalização do aborto, seguro e gratuito. O direito ao aborto é objeto de disputas políticas em diversas arenas institucionais. No Congresso, há mais de 30 proposições legislativas que versam sobre o tema, sendo que a maioria delas busca restringir ainda mais a autonomia das mulheres.

A deFEMde apresentará à corte, em conjunto com outros grupos feministas, arguições que justificam a necessidade de se descriminalizar o aborto. Não é possível, no entanto, prever em que momento a ação será julgada pelo Tribunal. E, ainda que haja uma decisão pela descriminalização do aborto, ela não garante que haja a implementação de políticas públicas que garantam o direito ao aborto seguro e gratuito.

Para que o Estado mude sua postura perante o problema e garanta, de forma plena e alinhada a uma visão de proteção à dignidade das mulheres, o direito ao aborto, é fundamental que se promova uma conscientização ampla sobre o que, de fato, esse direito significa.

Seguimos deFEMdendo.

deFEMde lança cartilha antiassédio para o Carnaval com Catraca Livre

1024 681 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, a convite do Catraca Livre, fez uma cartilha especial sobre o que fazer caso você seja vítima ou presencie um caso de assédio sexual durante o Carnaval.
O assédio contra mulheres envolve uma série de condutas ofensivas à dignidade sexual, que desrespeitam sua liberdade e integridade física, moral ou psicológica, o que impede uma festa livre, saudável e benéfica para todes.

É importante que se tenha consciência de que onde não há consentimento, há assédio, independentemente de qual roupa você vista, de que modo você dance ou quantas e quais pessoas você decidiu beijar (ou não beijar): nenhuma dessas circunstâncias autoriza ou justifica o assédio.
Insinuar que a culpa da violência sofrida pode ser da própria vítima faz com que muitas mulheres não busquem ajuda por medo de serem culpabilizadas. Além disso, tais afirmações diminuem a responsabilidade do agressor, como se ele fosse incapaz de controlar seu próprio comportamento.

Com a plena ciência destas premissas, a deFEMde aborda alguns aspectos básicos para o combate ao assédio na maior festa do Brasil, contribuindo para uma sociedade livre, justa e solidária. Confira a íntegra aqui.

deFEMde oficia Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados sobre PLs na Campanha 16 Dias de Ativismo

1024 684 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde oficiou a Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados para tratar projetos de lei pré-selecionados para aprovação em plenário na Câmara dos Deputados em razão da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, alertando para propostas que contradizem o próprio espírito da Campanha e que ainda necessitam melhorias antes de serem votados.

O ofício pautou avanços e retrocessos legislativos em seis eixos temáticos, separando quais deveriam ser levados a plenário e quais não deveriam, destacando seus principais fundamentos. Entre os pontos de atenção, destacam-se o PL PL 3368/2015, que criminaliza o assédio moral no trabalho, temática que deve ser enfrentada por estratégias de prevenção e construção de um ambiente de trabalho que favoreça o diálogo, a participação, a transparência e a equidade de gênero; o PL 1219/2011, que trata o pagamento de salário-maternidade em caso de micro e pequenas empresas com 10 (dez) ou menos empregados e e tem viabilidade comprometida pela instabilidade dos Regimes de Previdência e de Seguridade Social; e o PL 7181/2017, que institui o programa Patrulha Maria da Penha, pois não basta a fiscalização e proteção apenas da mulher vítima de violência, mas também da sua residência, família e demais pessoas do convívio. Ademais, as medidas previstas na lei encontrarão dificuldades de implementação, em decorrência do despreparo e falta de sensibilização das instituições de Segurança Pública e devido ao custo para a manutenção de tal patrulha.

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde aproveitou ensejo para parabenizar a Casa Legislativa pelo debate do PL 4972/2013, que institui o uso de monitoramento eletrônico (tornozeleira) como meio de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência; o PL 4614/2016, que atribui à Polícia Federal a competência investigatória de crimes cibernéticos de conteúdo misógino, ou seja, aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres; e o PL 5304/2016, que permite o saque do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) quando a mulher trabalhadora estiver em situação de violência doméstica.

Confira a íntegra do ofício aqui.

deFEMde participa de relatório para a ONU sobre violência de gênero na Internet

560 292 Rede Feminista de Juristas

Fórum da Internet no Brasil lançou o relatório “Violências de Gênero na Internet: diagnósticos, soluções e desafios”, enviado à Relatora Especial da ONU sobre violência contra a mulher. Sistematizado pela Coding Rights e pelo InternetLab, o relatório é fruto de contribuições de uma rede de organizações, coletivos, advogadas, juristas e ativistas defensoras de Direitos Humanos, direitos digitais e direitos sexuais e reprodutivos do Brasil, com os objetivos de fazer um diagnóstico sobre as diferentes formas de violência verificadas nos meios digitais, levantar as soluções disponíveis na legislação e suas lacunas e mapear os desafios para combate em um contexto social marcado pelo machismo e racismo estrutural.

O documento é assinado por Blogueiras Negras, Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Intervozes, Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença da Universidade de São Paulo, OLABI MakerSpace, Rede Feminista de Juristas – deFEMde, MariaLab Hackerspace, Paixão Fiorino Advogados, Ellen Paes – ativista, Celeste Leite dos Santos – Diretora da Mulher da Associação Paulista do Ministério Público, Artigo 19 Brasil, e Gênero e Número, e recebeu e apoio da Fundação Ford Brasil e Association of Progressive Communications – APC.

Confira o relatório completo aqui.

deFEMde critica decisão que revoga pensão de mulher após novo trabalho e relacionamento

1024 767 Rede Feminista de Juristas

O Superior Tribunal de Justiça revogou pagamento da pensão alimentícia, afirmando que o “fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas“. A mudança de condição financeira da parceira e o fato de ela ter iniciado uma nova relação afetiva serviram como justificativas para a suspensão. A página do órgão no Facebook publicou a decisão em tom comemorativo,, e em linguagem que dava a entender que a decisão era válida para todos casos similares.

O fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é…

Publicado por Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Terça-feira, 28 de novembro de 2017

Em entrevista ao UOL Universa, a Rede Feminista de Juristas avaliou que há pouca informação para que o público possa entender em que cenário a mulher teve o pedido de pensão acolhido, e que a publicação do STJ no Facebook é tendenciosa, introduzindo um discurso político que dá a entender que somente homens pagam pensão às ex-companheiras, ignorando o fato de que ambos detêm obrigação alimentar entre si; para além, o fato de a mulher trabalhar não indica, necessariamente, que ela seja totalmente capaz de se manter. Identifica-se, ainda, que o fato de a mulher estar em um novo relacionamento tenha pesado na decisão, revelando a noção no colegiado de que sua tutela financeira teria sido transferida para o novo parceiro, desobrigando o ex-cônjuge, traduzindo basicamente um retrocesso machista.

A obrigação do ex-cônjuge manter o outro, em caso de necessidade, não significa apenas arcar com gastos básicos, mas também manter o padrão de vida que ambos levavam ao final da relação. No cenário político e de violência atual, é imprescindível o cuidado na construção de notícias e disseminação de ‘exemplos’ para nossa sociedade, como no caso da divulgação da decisão.

Participaram da entrevista as advogadas Thayná Yaredy e Tainã Góís, representando a deFEMde. Confira aqui.

deFEMde oficia Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados sobre PL 5452/2016

1024 768 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde oficiou a Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados para tratar o PL 5.452/2016, a ser apreciado pela Comissão de ​Constituição ​e ​Justiça ​e ​de ​Cidadania, pautando 13 pontos principais de atenção.
Em suma, para a continuidade do projeto de lei e maior escopo de proteção das mulheres, a deFEMde propõe as seguintes iniciativas:

  • retirada da expressão “conjunção carnal” da redação do crime de estupro: consideramos que, na proposta de nova redação do tipo penal de estupro, bastaria mencionar “atos libidinosos”, pois “conjunção carnal” é uma forma de ato libidinoso. Essa mudança seria benéfica para desassociar o crime de estupro da prática da “conjunção carnal”, que ainda hoje limita a aplicação do tipo penal por parte de muitos operadores do sistema de justiça.
  • inclusão​ ​da​ ​ideia​ ​de​ ​“consentimento”​ ​no​ ​crime​ ​de​ ​estupro: compreender criticamente a noção de consentimento é fundamental para definir o tipo penal de estupro. No debate público já se construiu um consenso em torno da ideia de que o crime de estupro abarca não apenas os casos em que o constrangimento ocorre mediante violência ou grave ameaça, mas também todos aqueles em que não há consentimento ​da ​vítima. Embora persista o mito de que o crime de estupro é praticado por um desconhecido, num beco escuro, é certo que a maioria dos estupros ocorre dentro de casa, cometido por pessoas conhecidas, parentes, que mantém relações afetivas com as vítimas. E é justamente em relação a esses casos que a ausência do consentimento se torna ainda mais importante para definir o tipo penal. Vale ressaltar que o consentimento não pode ser presumido e é revogável a qualquer tempo. Se a pessoa não está mais em condição de revogar esse ​consentimento, ​já ​não ​se ​trata ​de ​um ​consentimento ​válido. Apoiamos, ainda, a retirada da expressão altamente equivocada “permitir que com que ele se pratique” presente na atual redação do Código Penal, pois entendemos que esta expressão é incompatível com a ideia de “consentimento”. Ninguém “permite” que com ele se pratique um crime de estupro. Ser constrangido ou não poder expressar consentimento não é sinônimo de permissão.
  • inclusão de “violência ou grave ameaça” como agravante do crime​ ​de​ ​estupro: é importante diferenciar as hipóteses nas quais o crime de estupro é praticado “mediante violência ou grave ameaça” daquelas em que há ausência de consentimento mas não há um desses dois elementos. Sugerimos manter a ausência de consentimento de forma explícita, como elemento do crime de estupro, e especificar a agravante relativa aos casos em que há “violência ou grave ameaça”.
  • consideração de todas as formas de violência como agravante do tipo de​ ​estupro: a forma mais cruel da prática do crime de estupro não é a sua forma menos frequente, por uma pessoa desconhecida, em um beco escuro, mas justamente por uma pessoa próxima, que inflige sobre a vítima diversas formas de controle sobre o seu comportamento sexual mais eficazes do que a própria violência física. O erne do crime de estupro é a ausência de consentimento – que não pode ser resumida ou equiparada à ocorrência de violência ou grave ameaça. A hierarquização da forma de violência física como sendo mais gravosa do que as demais formas de violência já foi superada pela Lei Maria da Penha. optamos por deixar de forma expressa no tipo penal diversas formas de violência que se somam à violência sexual comum a todos os casos poderiam ser consideradas como agravantes do crime de estupro: física, psicológica, patrimonial ou moral, que se somam à violência sexual comum a todos ​os ​casos.
  • exclusão​ ​da​ ​agravante​ ​de​ ​estupro​ ​mediante​ ​extorsão​ ​virtual: por que, por exemplo, um crime de estupro mediante ameaça de divulgação de “nudes” deveria ser considerado mais grave do que um estupro mediante ameaça de morte? Acreditamos que este parágrafo deve ter uma apenas função descritiva, que oriente a aplicação da lei ao determinar que a extorsão virtual deve ser considerada como grave ameaça, violência psicológica ou moral. Entendemos ser relevante que haja essa previsão legal, mas discordamos que deva ser uma causa de ​aumento ​de ​pena.
  • novo tipo penal sobre divulgação de cena de estupro, de sexo,​ ​nudez​ ​ou​ ​pornografia: a mistura de tipos penais tão distintos do ponto de vista das práticas, do impacto na vida das vítimas e dos elementos que se devem levar em consideração acaba por tornar nebuloso o objetivo pelo qual se pretende tipificar a disseminação não consensual de imagens íntimas, cujas bases factuais são de simples verificação: se não houve consentimento, a imagem não poderia ter sido disseminada. Assim, sugerimos a exclusão da parte “ou que faça apologia ou induza sua prática”. Não faz sentido tratar práticas diferentes conjuntamente, inclusive porque a interpretação posterior pode se basear em uma visão sobre o objetivo do tipo penal e levar à desconsideração de casos em que um elemento, como a imagem disseminada constituir um crime, não esteja presente. O ideal seria separar as previsões. A disseminação não consentida de imagens íntimas é uma prática infelizmente comum e que pode ganhar um regramento próprio, inclusive pela centralidade que o consentimento deve ter na análise dos fatos. A exclusão de ilicitude para o caso de imagens divulgadas por jornalistas (§2º) reforça uma prática reprovável e lucrativa dos veículos de imprensa: a da construção de personagens e exploração da imagem dos envolvidos de forma apelativa e agressiva, que não tem compromisso com a cobertura informativa a respeito de um determinado tipo de crime (causas, dados etc.). Essa excludente não pode ser vista como um passe livre para publicizar o conteúdo de imagem da vítima.
  • novo tipo penal sobre induzimento, instigação ou auxílio a crime​ ​contra​ ​a​ ​dignidade​ ​sexual: a criação desse novo tipo penal, que incide sobre todos os crimes contra a dignidade sexual, provoca uma grave desproporção de pena na sua aplicação. Os crimes contra a dignidade sexual vão além do delito de estupro. Prever a mesma quantidade de pena para quem induz, auxilia ou instiga o cometimento de um estupro de vulnerável (cuja pena prevista é de 8 a 12 anos) ou de uma violação sexual mediante fraude (cuja pena prevista é de 2 a 6 anos) provoca uma grave incoerência ​no ​Código ​Penal.
  • exclusão do parágrafo de redução de pena de estupro de vulnerável​ ​se​ ​não​ ​causar​ ​grave​ ​dano​ ​psicológico​ ​ou​ ​físico​ ​à​ ​vítima: não há como considerar que um estupro cometido contra vulnerável não cause grave dano (seja físico ou psicológico) à vítima. Estamos tratando de uma violação sexual praticada contra menores de 14 anos! Se há um tipo penal específico prevendo uma pena maior levando em consideração quem é a vítima, já se pressupõe o maior dano causado. Mesmo antes da reforma de 2009, já existia essa presunção de estupro de vulnerável, quando a vítima era menor de 14 anos. Logo, esta proposta de novo parágrafo ​configura ​um ​imenso ​retrocesso ​na ​matéria.
  • exclusão do parágrafo de excludente de ilicitude do crime de divulgação​ ​de​ ​imagens​ ​em​ ​casos​ ​de​ ​estupro​ ​de​ ​vulneráveis: a excludente de ilicitude do crime de divulgação de imagens em casos de estupro de vulneráveis é inadmissível. Além de todos os comentários já feitos a respeito da prática da imprensa de explorar economicamente imagens de pessoas vítimas de violência sexual, quando o crime é cometido contra uma criança menor de 14 anos, não existe qualquer cenário em que a divulgação de “fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza sua prática, cena de sexo, nudez ou pornografia” seja minimamente legal.
  • previsão de ação penal pública incondicionada nos crimes​ ​contra​ ​a​ ​dignidade​ ​sexual: o sistema de justiça, como está desenhado hoje e na forma como funciona, atende apenas à “vítima ideal”, aquela que consegue, após sofrer uma violência, enfrentar uma série de procedimentos (realizar exame médico, Boletim de Ocorrência, buscar assistência jurídica) para então conseguir dar início a um novo périplo que será o da desgastante ação penal. Tudo isso em um exíguo prazo de 6 meses. Observamos que dificilmente essas vítimas conseguem lidar emocionalmente com a ​violência ​que ​sofreram ​e ​buscarem ​respostas ​jurídicas ​em ​tão ​pouco ​tempo. Defender que a ação seja pública incondicionada também acompanha a linha do entendimento sedimentado pelo STF em 2012, relativamente à Lei Maria da Penha, no qual a maioria dos ministros manifestou-se pela inconstitucionalidade do artigo que determinava que as ações penais daquela lei eram públicas condicionadas à representação da ofendida, por considerarem que ele esvaziava a proteção constitucional assegurada às mulheres que, nesse contexto, encontram-se fragilizadas. Exigir que a vítima tenha forças para representar e resista a não se retratar por pressão (social ou do agressor), enfraquece a proteção que se pretende dar e impõe mais uma obrigação a ela.
  • agravante em relação ao local (público ou ermo) e horário​ ​(noite)​ ​do​ ​crime​ ​de​ ​estupro: novamente, vemos entrar em ação o mito de que o crime de estupro é praticado por um “agressor desconhecido em um beco escuro”, sendo que boa parte dos delitos sexuais são cometidos por pessoas ​que ​a ​vítima ​conhece, ​em ​locais ​privados ​(“entre ​4 ​paredes”). Entendemos que a previsão como agravante do crime de estupro o fato de ele ter acontecido em um “local público” ou “durante a noite” transmite uma mensagem equivocada de que o crime cometido em local privado e à luz do dia seria menos grave. Já a previsão do aumento pelo emprego de “qualquer meio que dificulte a possibilidade ​de ​defesa ​da ​vítima” ​entendemos ​ser ​interessante.
  • agravante em relação à prática reiterada ou sequencial de​ ​crime​ ​sexual: entendemos ser necessário destacar que este dispositivo pode ser aplicado desde que não esteja configurado concurso material, concurso formal ou crime continuado, pois da forma como está escrito, permite a aplicação de uma pena final mais branda se comparado, por exemplo, com o concurso material do art. 69 do Código Penal.
  • agravante quanto à prática de crime sexual contra pessoa​ ​com​ ​uso​ ​de​ ​substância​ ​psicotrópica: este dispositivo é problemático na medida em pode abarcar casos nos quais a vítima foi estuprada enquanto estava bêbada ou com sua capacidade de resistência diminuída – os quais, conforme a redação atual, se enquadrariam ​no ​crime ​de ​estupro ​de ​vulnerável. O atual art. 217-A, §1º, estabelece que comete estupro de vulnerável quem pratica as ações ali descritas com alguém que, por qualquer causa, não possa oferecer resistência. Apesar do dispositivo do PL estar entre as considerações gerais dos crimes contra a dignidade sexual, poderá se sobrepor, na aplicação prática, ao atual § 1º do art. 217-A. Assim, mantendo-se este dispositivo no PL, é importante inserir um parágrafo ao art. 217-A para dispor que na mesma pena incorre quem pratica os atos descritos no caput contra pessoa incapacitada, de forma parcial ou total, de oferecer resistência, ainda que tal incapacidade decorra de ​ingestão ​voluntária ​de ​substância ​alcoólica, ​farmacêutica ​ou ​psicotrópica.

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deFEMde vai a OEA para combater a violência de gênero com outras organizações

600 315 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, ao lado da Associação Mulher sem Violência e do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – NUDEM, protocolou recentemente manifestação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA denunciando as graves violações dos direitos humanos das mulheres pelo Estado brasileiro, em consonância com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará” (1994). 

A manifestação aborda a A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de no 29/2015, cujo objetivo é alterar a Constituição Federal para explicitar que o direito à vida é inviolável desde a concepção, o que atenta contra direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, ameaçando inclusive o aborto seguro nos casos previstos em lei, algo contrário à Convenção de Belém do Pará e ao Pacto de San José da Costa Rica.

É importante salientar que dos 29 Senadores autores da PEC 29/2015 apenas uma é mulher, sendo a proposta de Emenda Constitucional que violará gravemente o
direito fundamental das mulheres produzido e escrito por 28 homens, que jamais poderão gestar, sofrer a violência psicológica e a tortura de uma gestação indesejada, e tampouco arcarão com as consequências da escolha da maternidade ou não.

O Brasil é um dos 35 países da América que é membro da OEA – Organização dos Estados Americanos. A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher foi assinada pelo Brasil, e ratificada em 1995, integrando o ordenamento jurídico brasileiro e subordinando legislação, jurisprudência e políticas públicas; mulheres estão protegidas dentro da Convenção, e as tentativas do Poder Legislativo de esvaziar a proteção jurídica das mulheres constituem violação aos direitos humanos reconhecidos pelo Estado brasileiro.

A PEC nada mais é do que o reflexo do conservadorismo que assola o Brasil, propondo o controle absoluto sobre o corpo da mulher e sua autonomia, em contraponto às conquistas das mulheres por seus direitos e garantias fundamentais, algo que a Rede Feminista de Juristas segue combatendo, pela equidade de gênero e no gênero.