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STF

Mulheres negras continuam sem vez e sem voz no STF

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira, 27/11/2023. Lula também indicou Paulo Gustavo Gonet Branco para a Procuradoria-Geral da República. As indicações são a resposta à campanha “Ministra Negra Já“, que contou com a participação da Rede Feminista de Juristas e mobilizou dezenas de organizações no Brasil pela indicação de uma jurista negra para o STF.

Em campanha, as organizações apresentaram juristas negras mais que aptas a ocupar uma cadeira no STF, que com mais de 100 anos de exclusão de mulheres negras, indígenas, PCDs, LGBTQIAP+ e idosas, é um dos maiores símbolos do estado inconstitucional de coisas que vive o Brasil. A mais alta Corte do país é altamente segregada. A minoria de homens brancos, ricos, privilegiados e conservadores, desconectados da realidade, decide os rumos de milhões de brasileiras, brasileires e brasileiros, que tiveram uma terrível negativa do representante por eles escolhido, e com quem, simbolicamente, subiram a rampa do Planalto.

Pesar define o que sentimos neste momento. Essa exclusão sumária da população brasileira dos espaços de poder, influência e decisão, impedindo a concretização do projeto constitucional de sociedade livre, justa e solidária, não é aceitável, admissível ou tolerável para a sociedade, especialmente sob um governo progressista, comprometido com avanços sociais e fortalecimento democrático. De que adianta afirmar na frente da ONU que se quer alcançar a igualdade racial, se por duas vezes, a representatividade racial é solenemente e deliberadamente negada, Presidente?

Não se trata de questionar a competência de Flávio Dino, que é reconhecidamente um grande jurista, e que se coloca de forma não retrógrada quanto a temas sensíveis à nossa sociedade, como bem lembra Maíra Vida, do Afro-Gabinete de Articulação Institucional e Jurídica da Coalizão Negra por Direitos, organização parceira de campanha. Trata-se de questionar a importância e o valor que a população negra, sobretudo as mulheres negras, possuem para a conjuntura política.

Servimos às urnas, e servimos às belas fotos da cerimônia de posse. Mas não servimos para ter assento à mesa; não servimos para ocupar espaços de poder, influência e decisão. Este é o recado que fica com as escolhas feitas pelo Presidente da República na data de hoje. No mês da Consciência Negra, uma demanda antiga do movimento negro, sobretudo das mulheres negras que integram o movimento negro, é solenemente ignorada; e diante dessa posição, que contrasta terrivelmente com os discursos assumidos pelo Estado brasileiro, resta uma pergunta.

De que adianta esse discurso lindo para as meninas e mulheres negras deste país, se o governo nunca coloca o dinheiro, ou as ações, onde estão a boca e as palavras?

Cento e trinta e três anos de uma Corte branca e masculina, que exclui vinte e seis por cento da população brasileira de seus quadros. E mais uma vez, ficamos sem vez e voz. Já passa, e muito, da hora de um compromisso real com o aumento da participação de mulheres e pessoas negras, indígenas, PCDs e LGBTQIAP+ nos sistemas de Justiça.

O amor precisa ser posto na mesa, antes que todes nós nos levantemos dela.

Seguimos deFEMdendo.

Carta da deFEMde às guerreiras supremáveis negras

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Após evento em 07/10/2023, que reuniu autoridades legislativas, sindicais, movimentos de mulheres e imprensa engajados na campanha por uma Ministra Negra no STF em ambiente de afeto, aquilombamento e fortalecimento da campanha, sob enorme pressão no estado de São Paulo, a Rede Feminista de Juristas – deFEMde encomendou alguns mimos para envio a cada uma das supremáveis, além de confeccionar uma carta de agradecimento à coragem destas mulheres negras.

Esta carta é encaminhada, juntamente com os mimos, via Correio, às mulheres que nos inspiram. Para Adriana, Karen, Lívia, Lucineia, Manuellita, Mônica, Soraia e Vera, demos o melhor de nós, em agradecimento à felicidade e à esperança que trazem num Brasil livre das desigualdades raciais.

Salve, Mulher!

Salve essa tua coragem.

Salve essa tua gana.

Salve esse teu ímpeto de abraçar o mundo, mudar o jogo e fazer História.

O que você fez – e segue fazendo – é simplesmente incrível. Fabuloso. Extraordinário. É digno de quem tu és, digno de quem caminha contigo.

Você descende de Hatshepsut, de Nzinga, de Amina e de Makeda. Você carrega em si o legado de Benguelas, Dandaras e Mahins. Você é ESPETACULAR!

Disse o poema: Que a ancestralidade te proteja e que o sagrado te resguarde.

E nós ecoamos, até que você entenda a sua importância para nós, mulheres e meninas. Seu rosto deu ao sonho a faísca necessária da esperança, e agradecemos profundamente a sua graça de nos permitir essa troca intensa, essa oportunidade de ouro do Mali de refletir sobre nossos lugares e nossas trajetórias.

Conhecemos bem os desafios de ser uma mulher negra em um país tão racista, machista e desigual. Você, a Atrevida de Lélia, trilhou o caminho desenhado por ela, por Sueli, por Beatriz, por Esperança, por tantas e todas de nós. E nos deu mais perspectivas, mais desafios; os passos vêm de longe, e com você, por você, agora eles vão ainda além.

Não há palavras que expressem o orgulho, a admiração e a alegria que temos por você, por sua coragem, por sua ousadia de se colocar à frente, e permitir que bradássemos que queríamos a primeira ministra negra no STF, depois de 132 anos de simbolismo das desigualdades do Brasil, e que sim, ela, a Preta Ministra, tinha rosto, tinha nome, tinha reputação mais que ilibada, e tinha o mais notório dos saberes jurídicos.

Deixamos nosso até logo com a certeza que seguiremos nos encontrando, marchando pela igualdade racial e de gênero, e com as esperanças renovadas em vê-la na mais alta Corte deste país.

ODÀBÓ, Rainha!

deFEMde participa de ato por uma ministra negra no STF em SP

1024 683 Rede Feminista de Juristas

A Seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-SP promoveu, conjuntamente com mais de 20 entidades, uma manifestação em 20/09/2023, em prol de uma jurista negra para ocupar a vaga da ministra Rosa Weber, que se aposenta ao final de setembro, no Supremo Tribunal Federal – STF; uma destas entidades é a Rede Feminista de Juristas – deFEMde, que integra a aliança de organizações do movimento negra na campanha #MinistraNegraJá. O ato se iniciou com uma passeata na sede da OAB-SP, que seguiu ao Largo de São Francisco, onde está localizada a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde ocorreu a ocupação do Salão Nobre por diversas organizações a leitura de uma carta aberta ao Presidente Lula.

Para este ato, se juntaram as seguintes entidades: OAB-SP, Mulheres Negras Decidem, Rede Feminista de Juristas – deFEMde, Instituto da Advocacia Negra Brasileira – IANB, Movimento ELO – Incluir e Transformar, Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica de São Paulo – ABMCJ-SP, Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP, Movimento Me Too Brasil, Frente de Juristas Negras e Negros – FJUNN, Instituto Juristas Negras, Instituto Aqualtune, Movimento Paridade de Verdade, Movimento Sem Teto do Centro, Bancada Feminista, Mandata SPPretas, e muitas outras.

Durante a ocupação do Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que contou com a presença da supremável Professora Lucineia Rosa dos Santos, presidiu a mesa de debates Roberta Garcia, representante do Coletivo Mulheres Negras Decidem, ao lado da Professora Eunice Prudente, Preta Ferreira, liderança do Movimento Sem teto do Centro, e Luanda Pires, liderança do Movimento Me too Brasil. A cerimônia foi conduzida por Diumara Araújo, presidente da Comissão de Igualdade Racial, Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Pinheiros, que ouviu diversas autoridades, como a presidente da OAB-SP Patrícia Vanzolini, Dione Almeida, Secretária Adjunta da OAB-SP, Jorge Souto Maior, Desembargador Aposentado do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, e a Diretora Geral do Centro Acadêmico XI de Agosto Amanda Medina, dentre outras, em manifestações efusivas acerca da importância desta indicação.

Em fala, a Rede Feminista de Juristas – deFEMde lembrou que a indicação de uma mulher negra para o STF não é uma simples escolha, mas um dever de reparação histórica; pautou ainda a necessidade de atenção a outros espaços judiciários, em solicitação direta à presidente da OAB-SP, Patrícia Vanzolini, acerca da indicação de uma mulher negra para o TJSP por meio do Quinto Constitucional. Ao lado da presidente da Seccional, cuja influência nos processos decisórios de ingresso pode definir quem terá o assento do Quinto, estava a deFEMder Cláudia Patrícia de Luna, candidata à vaga deixada pelo Desembargador Walter Piva.

No encerramento, Fernanda Perregil fez a leitura da carta aberta ao Presidente Lula em defesa da equidade racial e de gênero no Poder Judiciário, por uma ministra negra no STF. O documento é assinado pelas entidades envolvidas no evento e será encaminhado a Brasília em 25/09/2023, protocolado pessoalmente no gabinete da Presidência da República.

As deFEMders Raphaella Reis, Bruna Sillos, Rosana Rufino, Nathalia Martella, Cláudia Luna, Graça de Melo, Alcione Cerqueira Julian, Luzia Cantal e Tainã Góis marcaram presença no evento.

Por que Lula deve indicar uma mulher negra ao STF

1024 576 Rede Feminista de Juristas

Maria Sylvia de Oliveira é advogada, Coordenadora de Políticas de Promoção da Igualdade de Gênero e Raça do Geledès-Instituto da Mulher Negra e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades – Diversitas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Este texto foi escrito originalmente para a edição 84 da WBO Newsletter, publicada em 15 de setembro de 2023, e traduzido livremente para publicação neste site. Para conferir o texto original, clique aqui.

Desde que foram anunciadas as aposentadorias dos ministros do STF Ricardo Lewandowski e da ministra Rosa Weber, existe a expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indique pelo menos uma mulher, e que ela seja negra, para ocupar uma dessas cadeiras. As expectativas são válidas. Em seus 132 anos de existência, apenas três mulheres, todas brancas, fizeram parte do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem onze membros. Nestes 132 anos, nenhuma mulher negra foi sequer considerada como possibilidade para ocupar um assento no mais alto tribunal do Brasil.

Na data de sua posse, o presidente Luiz Inácio da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto acompanhado de representantes das populações discriminadas do país, que incluíam uma mulher negra e uma criança negra, sinalizando que seu governo daria atenção a essas pessoas que ajudaram a reelegê-lo. Em seu discurso de posse, Lula disse: “É inaceitável que continuemos convivendo com preconceito, discriminação e racismo”. Chegou a hora do próprio presidente Lula dar o primeiro passo no enfrentamento do racismo no Brasil, nomeando uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal. Não podemos mais viver apenas de simbolismo.

Um país verdadeiramente democrático deve espelhar a sociedade como um todo nas suas instituições e deve ser sensível à população. Portanto, é de extrema importância defender a diversidade na mais alta corte do país e, mais do que isso, defender a indicação de uma mulher negra para uma vaga no STF. A posição exige que o nomeado tenha conhecimento jurídico notável e amplamente reconhecido e uma reputação ilibada, adjetivos que são comuns entre juristas negros, operadores do Direito, muitos dos quais são reconhecidos internacionalmente pelo seu trabalho. Não lhes falta competência.

É extremamente importante mudar a nossa perspectiva sobre o sistema judicial para que este garanta verdadeiramente a justiça. Os ministros do Supremo Tribunal Federal devem ver a Constituição Federal como um instrumento de transformação da sociedade, e suas interpretações jurídicas devem refletir o compromisso de garantir concretamente o princípio da igualdade, o que inclui a busca pela emancipação dos grupos discriminados. A verdadeira justiça, equidade, solidariedade e bem-viver são valores inegociáveis.

O recente episódio envolvendo Sônia Maria de Jesus, uma mulher negra de 49 anos, surda e muda, que desde os 9 anos realizava trabalhos domésticos considerados “análogos” à escravidão é um exemplo disso. Ela trabalhava na casa do juiz Jorge Luiz Borba, do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, homem que deveria ter cumprido a lei. No entanto, o ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, determinou que a vítima voltasse para a casa de Borba. Este exemplo mostra-nos porque é que existe uma necessidade premente de garantir a pluralidade racial no Supremo Tribunal.

Em seus 132 anos de existência, apenas três mulheres, todas brancas, integraram o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem onze membros

Maria Sylvia de Oliveira

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Conexas de Intolerância, que foi aprovada pelo Congresso como Decreto nº 10.932 em janeiro de 2022 com status de emenda constitucional, afirma no artigo 9º: “Os diferentes estados devem comprometer-se a assegurar que os seus sistemas políticos e jurídicos reflitam adequadamente a diversidade da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades legítimas de todos os setores da população, de acordo com o âmbito desta Convenção.” A nomeação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal, portanto, é respaldada por uma convenção internacional de combate ao racismo.

Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça, consciente da necessidade de mudanças profundas no sistema judiciário, lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, que consiste na “adoção de programas, projetos e iniciativas a serem desenvolvidos em todos áreas do judiciário e em todas as jurisdições, com o objetivo de combater e corrigir as desigualdades raciais, por meio de medidas afirmativas, compensatórias e reparadoras para eliminar o racismo estrutural no âmbito do judiciário.”

Os ataques que estão sendo direcionados à campanha e aos seus idealizadores para sensibilizar a sociedade e o presidente Lula a favor da nomeação de uma mulher negra para o STF são a prova de que setores da chamada esquerda democrática e progressista são racistas e não conseguem conceber a existência negra mulheres em qualquer lugar que não seja em completa subalternidade. É urgente e necessário que o Estado brasileiro, agora na pessoa do Presidente Lula, dê um passo no sentido do desmantelamento do racismo sistêmico e institucional.

Os Estados devem demonstrar uma vontade política mais forte para acelerar medidas em prol da justiça racial, corrigir o passado e criar igualdade através de compromissos específicos e com prazos definidos para alcançar resultados”, afirma Michelle Bachelet no Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Isto implica a “promoção e protecção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais dos povos africanos e afrodescendentes contra o uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por parte de agentes policiais”.

O presidente Lula tem nas mãos a oportunidade de dar o exemplo ao indicar uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal, fazer justiça reparatória e deixar uma marca na história do país.

deFEMde integra campanha por ministra negra no STF

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Nesta quinta-feira, 31/08/2023, é lançada a campanha Ministra Negra no STF, para a indicação de uma mulher negra a assento no Supremo Tribunal Federal pela primeira vez na História do Brasil.

Criado em 1796, o órgão já foi chamado de Tribunal da Relação, de Casa da Suplicação, de Supremo Tribunal de Justiça, de Corte Suprema; já esteve em Salvador, no Rio de Janeiro e em Brasília. Em todas as suas versões, sempre manteve o status de mais alta instituição e instância jurídica, é provavelmente a única instituição que testemunha a história dessa nação desde a chegada dos portugueses às terras indígenas que hoje chamamos de Brasil.

O formato do Supremo Tribunal Federal conhecido hoje teve origem com a Proclamação da República, e à beira de seus 133 anos, foi majoritariamente constituído por homens brancos. Nesse período, com 171 pessoas passando por seus quadros e servindo como ministras, o STF teve poucos casos de divergência deste perfil masculino e branco: só teve três mulheres brancas e três homens negros em sua composição.

Essa exclusão sumária da população brasileira dos espaços de poder, influência e decisão, impedindo a concretização do projeto constitucional de sociedade livre, justa e solidária, não é aceitável, admissível ou tolerável para a sociedade, especialmente sob um governo progressista, comprometido com avanços sociais e fortalecimento democrático.

Ter uma ministra negra E progressista no STF é crucial para a necessária transformação dos sistemas de Justiça, não só pela importância da representatividade nas esferas de poder, mas por todas as mudanças estruturais na forma como a justiça é aplicada.
Não é só um gesto simbólico. É o início de uma necessária e já atrasada reparação histórica com a população brasileira. Uma ministra negra no STF é um passo gigantesco na direção da Justiça que o Brasil precisa; é a segurança que se tem de uma voz na mais alta tribuna do país expondo que sem compromisso com o povo, não há garantismo.

A indicação também reacende a necessária discussão sobre a ausência de pessoas negras nas cortes superiores. Até 2019, dos 88 ministros nas 5 cortes superiores (Supremo Tribunal Federal – STF, Superior Tribunal de Justiça – STJ, Tribunal Superior Eleitoral – TSE, Tribunal Superior do Trabalho – TST e Superior Tribunal Militar – STM), somente uma pessoa negra ocupava cargo: Benedito Gonçalves, do STJ. Em série histórica, apenas seis pessoas negras tiveram assento nas cortes superiores: Pedro Lessa (1907-1921), Hermenegildo Barros (1919-1937) e Joaquim Barbosa (2003-2014), no STF; Benedito Gonçalves, no STJ; Luiz Augusto da França (1958-1961), Carlos Alberto Reis de Paula (1998-2014), e Horácio Raymundo de Senna Pires (2006 -2012) no TST.

Pensando nisso, e analisando o cenário de possíveis indicações da Presidência da República à cadeira da Ministra Rosa Weber, que deixa o órgão em outubro de 2023, bem como os desdobramentos da última indicação feita pela Presidência ao órgão, que em menos de um mês no cargo já coleciona decisões que atentam contra a cidadania negra e LGBTQIAP+, movimentos negros e feministas uniram esforços para esta campanha, coletando assinaturas em abaixo-assinado e enviando comunicados em massa para o gabinete presidencial com a demanda.

Ao fim do período de coleta de assinaturas, o plano é que o abaixo-assinado seja entregue pessoalmente ao Presidente Lula pelos movimentos negros e feministas organizadores desta mobilização. Para concretizar este plano e formalizar esta demanda perante a Presidência da República, contamos com o seu voto! Acesse o site da campanha <www.ministranegranostf.com.br> e deixe seu recado. Para participar, basta inserir seu endereço de e-mail, seu nome, seu sobrenome, sua unidade da Federação, clicar em “enviar” e compartilhar o link com amigues e familiares. Precisamos de todes, todos e todas!

Esteja conosco nesta caminhada! Estão nessa luta: Rede Feminista de Juristas – deFEMde, Instituto de Defesa da População Negra – IDPN, Mulheres Negras Decidem – MND, Girl Up, Instituto da Advocacia Negra Brasileira – IANB, Observatório da Branquitude, Instituto de Referência Negra Peregum, Coalizão Negra por Direitos, Movimento Negro Evangélico – MNE, Utopia Negra Amapaense, Coletivo Nossas, Perifa Connection, Selo Juristas Negras, Coalizão Nacional de Mulheres e muitos outros. Junte-se a nós nesta caminhada!

 

deFEMde repudia ataques de Bolsonaro ao Judiciário

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A Rede Feminista de Juristas – deFEMde aderiu ao manifesto “Garantir a liberdade do Judiciário é defender o Estado Democrático de Direito“, lançado nesta terça-feira. Entidades e organizações da sociedade civil repudiaram os recentes ataques de Jair Bolsonaro contra o Judiciário e pediram que as instituições defendam o Estado Democrático de Direito.

Para as organizações, a postura de Bolsonaro “avilta a independência dos três poderes” e pode configurar crime de responsabilidade. O manifesto diz ainda que o pedido de impeachment contra o ministro do STF Alexandre de Moraes é “infundado e autoritário” e tem como objetivo “instigar a instabilidade institucional”.


A gravidade dos ataques em momento frágil da nossa história demonstra despreocupação por parte da autoridade máxima do país frente aos nossos verdadeiros e mais prementes desafios, como o enfrentamento à pandemia de Covid-19 e suas consequências” diz o documento.

As signatárias também se mostraram solidárias às instituições que compõem a base da democracia brasileira e “conclamam os demais poderes a cumprirem os seus devidos papéis constitucionais e legais na defesa do Estado Democrático de Direito”.

Ameaças à realização das eleições de 2022, a defesa do voto impresso e o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes foram os últimos atos de Bolsonaro que geraram mais uma crise institucional em meio à pandemia, com uma economia desestabilizada e recordes de desemprego e miserabilidade no Brasil.

Promovido pelo Pacto pela Democracia, o manifesto é assinado por cerca de 50 entidades: Associação Brasileira de Imprensa – ABI, ACT Promoção da Saúde, Aliança Nacional LGBTI+, Associação Alternativa Terrazul, Associação Brasileira de Defesa da Mulher da Infância e da Juventude, Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, Central de Cooperativas Unisol Brasil, Centro pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL, Cidades Afetivas, Conectas Direitos Humanos, Centro de Trabalho Indigenista – CTI, Diversitas/FFLCH/USP, Elas no Poder, Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais – FBOMS,  FFLCH USP, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Frente Nacional de Mulheres na Política, Fundação Tide Setubal, Geledés Instituto da Mulher Negra, Goianas na Urna, Ideas Assessoria Popular, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ, InPACTO, Instituto Alziras, Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD, Instituto Marielle Franco, Instituto de Promoção e Proteção de Direitos Humanos, Instituto Physis – Cultura e Ambiente, Instituto Pro Bono, Instituto Pensamentos e Ações para defesa da Democracia – IPAD, Instituto de Políticas Pretas e Advocacy – IPPA, Kurytiba Metropole, Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ – LADIH, Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais, Mobis, Movimento Acredito, Neoliberais Brasil, Observatório do Marajó, Observatório para Qualidade da Lei, Open Knowledge Brasil, Operação Amazônia Nativa, Oxfam Brasil, ponteAponte, Rede Brasileira de Conselhos – RBdC, Rede Feminista de Juristas – deFEMde, Transparência Brasil, Transparência Capixaba, Transparência Eleitoral Brasil e WWF Brasil.

Marina Ganzarolli FALA sobre a audiência pública da ADPF 442

1024 683 Rede Feminista de Juristas

Texto originalmente publicado no portal Hysteria. Para ler o original, basta clicar aqui.

Dia 1

Na sexta-feira 3 de agosto aconteceu o primeiro dos dois dias de audiência pública da APDF 442 no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela pede a descriminalização e o direito ao aborto até 12ª semana no Brasil. Entidades que defendem a mudança na lei, que hoje prevê prisão de até três anos para as mulheres que recorrem à prática, e entidades que desejam a manutenção dela discursaram aos ministros do supremo em uma salão com cerca de 150 pessoas em Brasília.

O que vimos dentro desta sala no primeiro dia foi de um lado informação e dados – de gente que dedica a vida a pesquisar e estudar o assunto – e do outro argumentos flácidos, quando não mentirosos, daqueles que se dizem pró-vida, mas são, na verdade, pró-morte. Já que os dados são inegáveis: uma mulher morre a cada dois dias vítima de um aborto clandestino no Brasil.

Uma das falas mais fortes e embasadas foi a da pesquisadora Débora Diniz, do Instituto de bioética Anis, grande articuladora desta ação. Além de trazer dados de uma pesquisa extensa sobre o tema, ela conseguiu responder algumas perguntas deixadas pelas falas anteriores, que sem muitos dados ou argumentos levantavam dúvida sobre o número de mortes trazido pelo Ministério da Saúde. Na fala de Débora ficou claro que não se trata de crença ou decisão pessoal, mas sim de uma política pública eficiente para mudar um cenário tenebroso.

Uma exposição que me chamou a atenção foi a do Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, coordenador da residência médica em ginecologia da UFRJ e a favor da manutenção da lei que criminaliza o aborto. Foi vergonhoso. Com parcos argumentos, ele chegou a dizer que as mulheres morrem porque estão sendo atendidas por parteiras e médicos cubanos. Parecia que estava falando em uma mesa de bar, sem argumentos ou referências. O que ele trazia não eram dados, mas sim opiniões pessoais fundamentadas em slides com matérias da Veja como fonte primária. E ele ainda atacou o ministro Luís Roberto Barroso, ali presente, dizendo que a descriminalização do aborto era uma articulação do ministro no Supremo para passar em cima do Congresso, que, no geral, é contra a mudança da lei.

A exposição da parte da manhã que mais comoveu a sala foi com certeza a da Adriana Abreu Magalhães Dias, que falou em nome do Instituto Baresi, e se contrapôs firmemente ao Dr. Raphael. Ele afirmou que a legalização do aborto será usada para se fazer eugenia – seleção genética. Como uma pessoa com deficiência, Adriana tomou seu lugar de fala e de quem estuda o assunto para dizer que as mulheres com deficiência querem e devem ter esse direito de escolha. Foi comovente e a primeira a ser efusivamente aplaudida pelos presentes. Muitos choraram. Ela falou inclusive da dificuldade de ficar em pé para a fala, porque não havia cadeira para os expositores. De fato o lugar não está preparado para pessoas com deficiência. Imediatamente a ministra Rosa Weber pediu para que se colocasse uma cadeira, mas Adriana conseguiu mostrar dificuldade de nos colocarmos no lugar do outro, de ter empatia, incluindo os ministros e organizadores da audiência, e voltando ao tema do dia, porque devemos ouvir quem é de fato atingido pela legalização. 

Uma coisa que me chamou a atenção foi a perigosa associação entre de aborto e feminicídio feita por Lenise Aparecida Martins Garcia. Os argumentos eram duvidosos e sem embasamento. Fora isso, ela mostrou um vídeo da National Geographic falando o quanto o feto já tem todas as funções a partir de determinada idade. Nesta hora, ela tinha na mão um boneco de um feto com 12 semanas e, ao mesmo tempo, algumas pessoas da plateia levantaram bonecos semelhantes.

Me indignei e me dirigi à segurança. Vejam, na entrada da audiência tivemos confiscados adesivos e até os pequenos lenços verdes (do movimento argentino). Se tive meu lencinho recolhido por que “ali não era permitida nenhuma manifestação”, o feto também não deveria ter entrado. Na hora todos os bonecos foram recolhidos.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados

Marina Ganzarolli

Uma coisa que achei impactante nas falas de quem diz defender a vida é que eleas questionam os dados, sempre colocando suas experiências de trabalho pessoais. Escutamos várias pessoas dizerem: “Na minha prática não é isso que vemos.” Mas muitas dessas “práticas” são de nicho, por exemplo, de uma região específica de São Paulo. Chega a ser absurdo essas pessoas serem o contraponto de gente que tem dados sólidos de anos de pesquisa pelo Brasil –  e pelo mundo. Porque à tarde tivemos diversas falas internacionais.

Neste sentido, as falas de duas canadenses trouxeram dados comparativos e do impacto da legalização do aborto não só para a diminuição das mortes das mulheres, como também para a diminuição da busca pelo aborto. Porque, como muita gente expôs, quando você atende essa mulher na fase crítica (momento do aborto) tem a chance entender o motivo pelos quais os métodos contraceptivos não foram usados, podendo trabalhar essa questão de forma ampla.

Neste primeiro dia de debate não tivemos os argumentos religiosos, que vêm com força na segunda-feira. O que vimos foram falas como a de Rosemeire Santiago, do Centro de Reestruturação para a Vida, por exemplo, que puxou para o emocional. Ela disse que ajudam as mulheres a escolher, mas o que fazem é um trabalho de persuasão para que não abortem. Disse que acolhem, abraçam. E então ela colocou um menino que teria sido abortado (mas não foi) para tocar violino. O trabalho pode até ser bonito e funcional, mas o que estamos falando aqui é sobre aquelas que mesmo depois de pensar muito ou se aconselhar com entidades como a de Rosemeire decidem abortar, certo? Elas não podem. Então, a pergunta que fica é: que escolha é essa?

Na parte da tarde a segurança relaxou um pouco e vimos mais manifestações. Mais palmas, mais reações. Mas isso não aumentou a tensão. Foi tudo muito solene e respeitoso como o ambiente do STF pede. Eu, sinceramente, achei que ia ser muito mais Fla x Flu. Vale pontuar que os ministros Barroso, Carmem e Lewandowski passaram pela audiência mas não ficaram o tempo todo. Ao que parece está tudo nas mãos da Rosa mesmo.

A exposição da Rede Feminista de Juristas, da qual faço parte, foi conjunta com o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, o Criola, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, o Grupo Curumim Gestação e Parto e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria e foi super emocionante pra nós. Conseguimos chegar ali e isso nos toca. Só foi uma pena que de lá de dentro não dava para ouvir o movimento Nem Presa Nem Morta que estava nos apoiando do lado de fora. Mas a caminhada do museu onde elas assistiram à audiência até o STF foi linda. Eu vi o vídeo.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados. Então, o que imaginamos, é que o Supremo deve engavetar o processo por um tempo, talvez uns dois anos, para depois julgar. É assim que eles têm feito. Se pegarmos o exemplo da legalização do aborto para fetos anencéfalos, vemos que a ação é de 2004, a audiência pública aconteceu em 2008 e o julgamento, que liberou o aborto nesses casos, foi em 2012. Estamos até no lucro, porque agora esperamos apenas um ano pela audiência.

E este é um momento de parabenizar a guerreira Débora Diniz, que não à toa estava muito emocionada. Pensem que foi essa mulher que articulou tudo isso, mesmo sendo duramente perseguida e ameaçada, ela se manteve firme, ética e focada. Nos espelhemos nela e sigamos com respeito, ética e claro, pró-vida das mulheres.

Dia 2

O dia começou muito cedo na segunda-feira 6 de agosto. Teve uma vigília linda do Nem Presa Nem Morta desde as 5h pelo direito de as mulheres escolherem seu destino.  

Do lado de dentro, a segunda e última rodada da audiência pública que discutiu a descriminalização do aborto foi muito disputada. O quarto andar, que transmite o debate para quem está no prédio mas não coube na sala, estava lotado. Ali, não há controle das manifestações. E como havia muitos religiosos neste espaço, quando a expositora do Católicas pelo Direito de Decidir terminou sua fala, o pessoal gritou: “Excomunga, ela! Excomunga, ela!” Mesmo no plenário o clima estava mais quente, muito pela presença de representantes religiosos e seus argumentos que desconsideram a ciência e as pesquisas, e ficam em cima de histórias pessoais que questionam a constitucionalidade da audiência.

Muitos, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, disseram que este não é o ambiente adequado para a discussão, que deveria ser feita no Congresso ou através de um referendo. Ao meu ver essas manifestações foram um tiro no pé. Tanto que logo após a fala do representante da CNBB a ministra Carmem Lúcia repreendeu esse tipo de argumento com muita contundência, deixando claro que é fundamental para a democracia que se sigam os ritos da lei e que o que se estava fazendo ali era atender a um anseio social, tudo dentro da constitucionalidade.

Muitas das falas contra o aborto atacaram o STF, o que do ponto de vista democrático é um absurdo. Soava como a mais pura falta de argumento. Fora a fala das católicas pelo direito de decidir, tivemos a fala da representante das evangélicas pela legalização do aborto e de um rabino – ambos trouxeram à luz da religião argumentos de acolhimento e pró-vida das mulheres. O rabino disse uma frase muito forte: “Podemos estar com elas ou sem elas. Porque essa mulher vai realizar o aborto.” Ele termina pontuando que essa mulher é também judia, católica e evangélica.

Uma associação muito complicada foi feita entre crimes ambientais e a “proteção da natureza humana”. Questionou-se até que se protegemos os ovos das tartarugas, por que não proteger os “ovos do homem”. Nem preciso dizer que o plenário, cheio de feministas, veio abaixo nessa hora.

Até mesmo a jurista católica e a jurista evangélica deram depoimentos muito pouco técnicos. Angela Gandra e Edna Zilli falaram muito de experiências pessoais, preceitos religiosos e usaram argumentos jurídicos do século XIX. Uma delas associou de forma irresponsável (classista e racista) os bailes funks e o aborto. Mas sabemos através de pesquisas sérias que as mulheres que abortam não são meninas e sim adultas, casadas e muitas vezes já mães.

Algumas pessoas disseram que em países que legalizaram o aborto houve aumento da procura pela prática, mas na sexta-feira este argumento já havia sido derrubado: há, sim, um aumento no número de abortos logo após a legalização, até porque os números anteriores não eram exatos, mas em pouco tempo esses números caem drasticamente.

A Conectas, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Clínicas de Direitos Humanos da Uerj e da USP trouxeram todos os pactos internacionais de direitos humanos dos quais o brasil é signatário e que não estão em consonância com essa lei que criminaliza a mulher que quer abortar. Logo na sequência dessas duas falas ponderadas tivemos que escutar o senador Magno Malta com argumentos absurdos, como por exemplo: “Se você tem autonomia sobre seu corpo, corte seu dedo ou seu cabelo, mas não corte a vida.” Ele falou inclusive que o Código Penal deveria ser revisto para que a pena para as mulheres que abortam fosse aumentada e não extinguida. Ainda fez um ataque direto à ministra Rosa Weber, falando de “seu ativismo judicial”, e foi mais longe: afirmou que ele foi um dos que a aprovaram quando foi sabatinada para a entrada no STF. A cobrança pública foi intimidatória, para dizer o mínimo. Ele falou como se ela devesse algo e disse que essa deveria ser uma decisão do Congresso – aliás, muita gente disse isso, ignorando a fala de Carmem Lúcia no início do dia.

Uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada

Marina ganzarolli

Um ponto interessante: o senador Magno Malta não assistiu a nenhuma das outras falas, chegou para a sua exposição e já ia saindo logo em seguida. Foi a ministra Rosa Weber que pediu para ele aguardar um instante. E então fez um aparte para ler o artigo constitucional que concede a competência ao STF para julgar ação de descumprimento de preceito fundamental. Engraçado que tempo para dar entrevista do lado de fora ele teve, mas participar da discussão e ouvir, parece que não cabe na agenda.

No meio da tarde tivemos a fala de Janaína Pascoal, que usou uma linha argumentativa temerária e distorcida. Ela afirmou que com a legalização do aborto as mulheres vão ficar mais vulneráveis porque os homens vão abandoná-las ainda mais. O momento em que a plateia mais rechaçou sua exposição foi quando ela disse que as jovens precisam ser estimuladas a iniciar sua vida sexual mais tarde. Ou seja, ela responsabilizou as mulheres pela gravidez e focou mais uma vez na juventude, ignorando os dados de que a mulher que aborta não é em sua maioria adolescente.

Em contrapartida, uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos, do Instituto de Estudos da Religião. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada. Disse claramente que se Jesus estivesse aqui perdoaria essas mulheres. Neste momento, as evangélicas contra o aborto dizem todas: “Não está mais”, insinuando que se Jesus não está aqui para dizer isso, então ela não pode dizer. Foi lembrado também que o aborto só passou a ser condenado pela religião católica depois de muito tempo como prática usada de forma ampla sob as barbas da igreja.

Muita gente disse ao microfone que é mentira que as mulheres são criminalizadas por fazer aborto no Brasil, mas Eleonora Nacif, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ressaltou que ainda na semana passada participou de um júri em que mulheres estavam sendo julgadas e condenadas por fazer aborto.

Vale pontuar que a segunda mulher negra a pegar o microfone, já às 18h da segunda-feira, foi Charlene da Silva Borges, da Defensoria Pública da União. Ela fez questão de dizer que muito se falou das mulheres negras, mas que agora ela estava aqui para falar, de fato, por elas. E o que disse foi que a vida das mulheres negras importa e trouxe dados de que são elas as que mais sofrem com a política atual. Foi uma fala muito emocionante e em primeira pessoa.

Tanto as defensorias públicas do Rio de Janeiro como a de São Paulo também deram uma personificada e humanizada no discurso, com histórias de mulheres que foram denunciadas e processadas por fazer aborto. A defensora carioca, Lívia Miranda Casseres, também uma mulher negra, frisou inclusive que até o aborto previsto em lei no Brasil não está sendo realizado porque existe estigma moral e uma espécie de boicote ideológico ao sistema. Ela encerrou sua fala com um poema de Conceição Evaristo que emocionou a plateia.

Um dos últimos a falar foi o Procurador do Estado do Sergipe, muito aplaudido pelos religiosos presentes. Ele botou até batimento cardíaco de feto na roda e apelou para argumentos anteriormente já desconstruídos, como por exemplo o fato de o embrião ter vida desde que é uma simples célula. Aprendemos em falas anteriores que todas as células têm vida, portanto isto não pode ser usado como argumento. Ele também falou que se vamos ao médico e pedimos para ele tirar o nosso braço ele não tira porque é prejudicial à vida, então não podemos pedir para nenhum médico tirar o embrião. Durmam com essa.

A jornada foi intensa e cheia de altos e baixos, mas é importante dizer que com Congresso ou sem Congresso, com STF ou sem STF, nós mulheres cis, trans, lésbicas, negras, brancas, juristas, da saúde, domésticas e quem mais quiser se juntar seguiremos organizadas para continuar lutando pelos direitos sexuais e reprodutivos da mulher e pela autonomia sobre nossos corpos. Queremos liberdade e o direito de escolha de quando, como e com quem queremos ser mães.